Já sabendo da memória falha, ela programa o celular pra avisar cinco minutos antes da meia noite pra não correr qualquer risco de esquecer e pra garantir que seria a primeira a desejar feliz aniversário. Na hora aprazada, o celular avisa de que cinco minutos depois seria o aniversário Dele.
Imaginou e ensaiou mentalmente o texto mil vezes revisto de parabéns que usaria. Ultimamente lhe havia sido negado direito a comunicação até com amigos próximos da mesma cidade, que dirá com Ele, morando tão longe. Precisava ser objetiva, extasiante, apaixonada e sucinta em seus últimos três reais de crédito.
Meia noite em ponto, ligou já esperando a voz grave Dele e não se negou um sorriso ao lembrar da comunidade de “voz de locutor de rádio” que viu no Orkut Dele. Todavia, a voz que lhe endereçou um “alô” era outra, mais fina e aquém da voz que esperava. Sem desmanchar o sorriso, perguntou por Ele.
-Tá ali, com uma “mina”. -respondeu a voz.
A presença de espírito ainda lhe permitiu agradecer a informação e desejar boa noite ao portador da notícia, desligando em seguida. A frase lhe rodeou os pensamentos por vinte minutos inteiros. Ia e voltava em sua cabeça lhe dizendo que ela não podia se aborrecer porque apesar do sentimento maior que ela, não havia um vínculo que os obrigasse a qualquer fidelidade.
Foi quando viu que não era só isso o que doía. Doía o sentimento de frustração por não tê-lo parabenizado como queria. Doía não lhe ter dito que não esqueceu e que gostaria de estar perto, com ele, comemorando como se deve porque ela queria estar com ele e ponto. Não mais que isso.
Quando o celular chamou mais tarde viu que era ele e retornou. Não foi capaz de lhe dizer os parabéns do texto ensaiado, mas o entusiasmo lhe fugiu por completo. Ouviu quando ele lhe provocou perguntando pela sua particular euforia de hábito. O máximo que conseguiu foi sarcasmo.
Adormeceu depois vencida pelo cansaço e viu, no final do dia do aniversário dele, que lhe dedicara um suave toque do dramática que mais de uma vez Ele lhe dedicara. No final das contas Ele não teve culpa e a “mina” não passava da água do banho (?) e de brincadeira do amigo.
Lamentava somente o fato de Ele ainda não ter entendido, mesmo depois de tanto tempo, que com ela, só a explicação bastava e que ainda trazia nos lábios um apaixonado ‘feliz aniversário’ que não dito e nem por isso menos sentido.